terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Prefácio de Tiremos A Sorte

Artur Madruga, uma das revelações do Concurso Literário "Habitasul/Correio do Povo", em 1978, é muito jovem.
Ao contrário da maioria, recusou-se até agora a praticar o néo-realismo em voga, preferindo as formas" livres" da ficção intemporal.
Ou por outra: nega-se a engajar a sua prosa num "ismo" qualquer.
Isso, de certo modo, sanciona e qualifica uma visão de mundo que o aproxima dos escritores mais independentes, um Hermann Hesse, uma Clarice Lispector, um Caio Fernando Abreu.
A trama psicológica é fixada por ele com gosto. A linguagem emblemática, por conseguinte, é a que melhor se presta a traduzir o que ele, Madruga, visiona com amplitude. Nesse particular é quase um poeta.
O mundo em que se vê mergulhado é menos um ordenamento do Estado, da Cidade, do Capital ou do Trabalho, que um espetáculo ininteligível, uma espécie de circo em que só têm vez as contorsões, os jogos malabares, a vertigem dos trapézios, tudo isso cercado por faixas intermináveis de cintilações, de luzes misteriosas - um espetáculo mais para os sentidos do que para a inteligência crítica.
Experimente o leitor. O contista gaúcho que ora aparece com sua primeira coletânea de contos tem estilo próprio e trabalha um material nobre. É ainda muito novo, como disse eu acima. Contudo, marca sua presença entre os contemporâneos com algumas páginas muito expressivas. Venho aplaudí-lo calorosamente.

Guilhermino Cesar ( 1986)


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Texto do Editor Paulo Betancur ( 1986):
A alucinação é um dos dois elementos da literatura de Artur Madruga. O amor é o outro. Amor intenso, talvez obsessivo, com a intensidade da paixão mas, ao contrário desta, lento, paciente, feito sobretudo de diálogo - por isso amor.
O estilo delicado - que algum dia leu Gide - destila as densas sombras de Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector. Mas Artur não desaparece nessas sombras. Oculta-se nelas, às vezes, porém dali emite sinais indiscutivelmente particulares . Noutras, sai à luz, luz que ele persegue, sempre obcecado pela cor, pelo cromatismo mutante, pela natureza pictórica da vida.
O gênero de que se serve observa algumas características do conto, mas raramente é conto. A época, de qualquer forma, propicia a extinção das fronteiras entre os gêneros. E só nos resta, talvez, apontar o que é e o que não é poesia.
A linguagem, no caso dele, é elemento vital, quase nunca condutor da ação, mas a ação mesma, ou no mínimo um dos elementos desta ação. Uma síntaxe nem sempre comedida tece a lírica corajosa de Artur, que arrisca-se ao excessivo eventualmente, mas arrisca-se, e sempre extrai uma descoberta.
Escritor que, embora tenha família estilística ( jamais somos inteiramente órfãos), na mesmice coletiva em que a literatura naufraga - e com ela os leitores-, busca a sua dicção sem falsete - apesar dos ecos, inevitáveis em quem realmente leu.
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